quinta-feira, 27 de março de 2014

Literatura e as Artes


Num quadro de grande diversidade cultural, a literatura e as artes foram-se afirmando em Angola de forma particularmente inovadora.

A literatura angolana, cuja origem remonta a meados do século XIX, inscreve-se numa tradição intervencionista e mesmo panfletária de uma imprensa feita por naturais da terra e demarcou-se rapidamente das suas congéneres em língua portuguesa, granjeando projecção mesmo fora das fronteiras do país. Ela conheceu a maioridade em 1935, com a publicação do primeiro romance escrito por um angolano, António Assis Júnior: O segredo da morta. Algo mais tarde, Castro Soromenho - embora nativo de Moçambique - havia de fazer com Terra morta e Viragem notáveis análises das relações entre as várias etnias angolanas e os europeus.

A geração dos anos 50, em volta da revista Mensagem, fará realçar nomes como Agostinho Neto, Viriato da Cruz e António Jacinto, que deram continuidade a essa tradição de luta, pois os seus poemas foram decisivos para ajudar a conformar a consciência de gerações inteiras para a necessidade de resistência contra a dominação colonial e pela afirmação nacional.

Nos anos seguintes, autores como Óscar Ribas, Luandino Vieira, Arnaldo Santos, Uanhenga Xitu e Mário António, entre alguns outros, vão recriando uma linguagem que tornava reconhecíveis na palavra escrita modos de ser, pensar e agir que só aos angolanos diziam respeito, contribuindo para a difusão e consolidação de uma identidade própria.

Angola Lieterature and ArtsApós a Independência do país, com a formação da União de Escritores Angolanos, multiplica-se a actividade editorial, revelando ou, nalguns casos, consagrando a obra dos poetas Arlindo Barbeitos, David Mestre e Ruy Duarte de Carvalho, e dos prosadores e ficcionistas Henrique Abranches, Manuel Rui Monteiro e Pepetela, que ganhou o prémio Camões, máximo galardão literário em língua portuguesa. Todos eles, a um nível de maior elaboração estética e literária, questionam os rumos do país e ajudam a forjar uma nova sensibilidade (no caso dos poetas) e a recriar uma consciência crítica do todo nacional (no caso dos prosadores).

A incipiente literatura dramática continua praticamente inexpressiva, havendo a registar desde a Independência a publicação de obras de apenas nove autores: José Mena Abrantes (12 obras), Pepetela, Domingos Van-Dúnem e Trajano Nankhova (duas obras cada um); e, com uma única obra, Henrique Guerra, Manuel dos Santos Lima, Costa Andrade, João Maimona e Casimiro Alfredo.

É, no entanto, no plano da música e das artes plásticas que a extrema diversidade da herança nacional se revela com mais intensidade. Quase todos os povos e grupos étnicos angolanos dispõem de um riquíssimo acervo de músicas e danças, que integram com naturalidade o seu quotidiano e agir social, prolongando e recriando de forma praticamente anónima tradições muito antigas. O mesmo se pode dizer da pintura mural e da escultura e estatuária artesanais.

Paralelamente, sobretudo nas áreas urbanas, muitos músicos e artistas plásticos utilizam em maior ou menor grau essas manifestações como base de inspiração para a criação de músicas e obras individualizadas, cuja influência interna e projecção internacional não cessam de aumentar. É justo referir no plano da música o trabalho pioneiro (anos 50) do agrupamento Ngola Ritmos de Liceu Vieira Dias e, no plano das artes plásticas, a partir dos anos 60, a produção de Viteix e António Ole.

Mais modernamente, continuam dignas de registo no plano musical a constância criativa e o apego às raízes de Lourdes Van-Dúnem, Kituxi e Elias diá Kimuezo, consagrado como "o rei da música angolana", a memória de uma Luanda suburbana e provocadora em Barceló de Carvalho "Bonga", a pujança de voz e a visão solidária de Rui Mingas, o resgate rigoroso de antigas sonoridades em Mário Rui Silva, o saudosismo e a ternura pelas coisas simples da vida em Teta Lando, o sentimento desencantado das novas gerações em Paulo Flores, o convívio entre a tradição e a modernidade em Filipe Mukenga, Mito Gaspar, Wyza e Carlitos Vieira Dias.

O leque não é tão vasto ao nível das artes plásticas, onde além de Viteix e Ole, símbolos maiores duma pintura moderna com raízes na tradição, apenas alguns nomes foram trilhando percursos originais, como é o caso de Jorge Gumbe, Francisco Van-Dúnem Van, Augusto Ferreira e Fernando Alvim. Existe, no entanto, a esperança de que se consolide a obra de alguns outros nomes que têm estado a afirmar-se nos últimos tempos, como Álvaro Macieira, Don Sebas Cassule, Gonga e Paulo Jazz.

No capítulo da dança, apenas Ana Clara Guerra Marques e sua Companhia de dança Contemporânea, e posteriormente a Dançarte, buscaram de forma criativa a possível coabitação entre a dança tradicional e a contemporânea, limitando-se a maioria dos outros grupos a reproduzir até à exaustão ritmos e movimentos coreográficos que se tornam monótonos e perdem o seu sentido fora dos espaços originais em que surgiram. A excepção foi durante muito tempo constituída pelo Grupo Kilandulo e pelo Ballet Nacional de Angola, que de algum modo foram procurando resgatar e preservar as danças tradicionais das várias regiões do país.

O mesmo desfasamento existiu durante muito tempo ao nível do teatro representado, o qual se limitava a transpor para o palco rituais e cerimónias, que se descaracterizavam nesse processo, ou a reproduzir as mesmíssimas situações com os mesmos personagens, quase sempre confinadas às áreas rurais e sem qualquer ligação com as vivências dos espectadores que assistiam a essas representações.

Algo tem estado a mudar nos últimos anos, com o surgimento e uma maior visibilidade de diferentes grupos, sobretudo na capital do país, mas em Angola continua a não existir teatro profissional nem condições para o materializar. Os únicos grupos, todos eles amadores, que conseguiram manter uma mínima capacidade produtiva e sobreviver para além dos dez anos de vida foram o Grupo Experimental de Teatro do Ministério da Cultura, o Oásis, o Horizonte Njinga Mbande, o Julú, o Etu-Lene e o Elinga-Teatro, quase todos eles já com uma mínima presença em festivais no exterior.

A terminar, uma referência ao cinema, cuja produção havia sido praticamente enterrada em meados dos anos 80, depois de um começo relativamente prometedor, que começou a ressurgir nesses últimos três anos com a produção de três longas-metragens. Na cidade vazia, de Maria João Ganga, O herói, de Zezé Gamboa, e O comboio da canhoca, de Orlando Fortunado, as duas primeiras vencedoras de importantes prémios internacionais. Os seus maiores cultores no passado foram Ruy Duarte de Carvalho e António Ole, já referidos quando falámos, respectivamente, de literatura e de artes plásticas.

No ano 2000, o Governo instituiu o Prémio Nacional de Cultura e Artes para premiar a excelência dos seus melhores criadores, que vem mantendo a regularidade das suas edições.

Tudo isto, é claro, sem esquecer o Carnaval, tido como uma das mais animada.


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